05/07/2017

DALIA MARIN

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Recuperar a competitividade
 da economia digital

O G20 precisa de ampliar o seu horizonte, reconhecendo que as tecnologias digitais estão a criar novos resultados que, se não forem validados por uma Rede Mundial de Concorrência, vão continuar a favorecer as empresas.

A economia digital está a criar novas brechas entre capital e trabalho ao permitir que uma empresa, ou um pequeno número de empresas, tenha uma quota de mercado cada vez maior. Com empresas "superestrelas" a operar a nível mundial e a dominar mercados em vários países em simultâneo, a concentração de mercado no grupo das 20 economias desenvolvidas e em desenvolvimento aumentou consideravelmente nos últimos 15 anos.

Para abordar este fenómeno, o G20 devia criar uma Rede Mundial de Concorrência para restabelecer a concorrência e abordar a desigualdade de rendimentos entre o capital e o trabalho. À medida que uma crescente percentagem dos rendimentos totais vai para o capital, disperso por muito dos países do G20, a Rede Mundial de Concorrência podia procurar reverter esta queda da percentagem do trabalho para o PIB.

Durante o período posterior à Segunda Guerra Mundial, 70% do PIB nacional vinha dos rendimentos do trabalho e os 30% restantes dos rendimentos de capital. John Maynard Keynes descreveu a estabilidade da percentagem do trabalho como algo "miraculoso". Mas desde então essa regra foi quebrada. Entre meados da década de 1980 e hoje, o contributo do trabalho para o PIB mundial caiu para 58%, enquanto o do capital subiu para 42%.

Estas duas forças na economia digital de hoje estão a levar a uma queda global da percentagem do capital nos rendimentos totais. A primeira força é que a própria economia digital geralmente tende para o capital. Os avanços na robótica, na inteligência artificial e em machine learning aceleraram o ritmo a que a automatização está a deslocar trabalhadores.

A segunda força é que na economia digital "o vencedor fica com a maioria" dos mercados, o que dá às empresas dominantes o poder excessivo para subir preços sem perderem muitos clientes. As empresas superestrela de hoje devem a sua posição privilegiada aos efeitos em rede da tecnologia digital, em que um produto se torna mais desejável à medida que mais pessoas o usam. E embora as plataformas de software e os serviços online possam ter custos elevados para serem lançadas, expandi-las é relativamente barato. Consequentemente, as companhias que estão instaladas podem continuar a crescer com muito menos funcionários do que teriam precisado no passado.

Estes factores ajudam a explicar porque é que com a economia digital as empresas grandes têm reduzido as suas necessidades de pessoal. E, quando estas empresas estão estabelecidas e dominam o mercado que escolheram, a nova economia permite-lhes perseguir medidas anti-concorrenciais que evitam que os rivais, e potenciais rivais, alcancem a sua posição. E, como mostram os economistas David Autor, David Dorn, Lawrence F. Katz, Christina Patterson e John Van Reenen, as indústrias norte-americanas, que têm uma crescente concentração de mercado, também tiveram uma grande queda na percentagem dos rendimentos do trabalho.

Este crescimento da concentração de mercado está a levar a um aumento da lacuna que existe entre as companhias que detêm robôs (capital) e os trabalhadores que estão a ser substituídos pelos robôs (trabalho). Mas enfrentar isto vai exigir reinventar a concorrência na era digital. Actualmente, as autoridades nacionais da concorrência dos países do G20 estão mal equipadas para regular as empresas que operam mundialmente.

Além disso, o G20 não pode simplesmente confiar que a concorrência mundial vai corrigir sozinha a tendência em direcção a uma cada vez maior concentração de mercado. Como mostrou Andrew Bernard nos EUA, e Thierry Mayer e Gianmarco Ottaviano na Europa, o comércio internacional favorece as grandes empresas superestrela. De facto, a globalização pode dar vantagens às empresas maiores e mais produtivas em cada indústria, fazendo com que expandam – e levando a uma encerramento das empresas mais pequenas e menos produtivas. Em resultado disso, as indústrias tornam-se cada vez mais dominadas pelas companhias superestrela, que têm uma percentagem baixa de trabalho no valor acrescentado.

Os Estados Unidos são um bom exemplo. É nos EUA que estão muitas das empresas superestrelas de hoje e, ainda assim, os reguladores da concorrência norte-americanos não foram ainda capazes de refrear o poder de mercado dessas firmas. À medida que o G20 procura formas de abordar o problema da concentração de mercado, deve assimilar lições da experiência norte-americana e procurar formas de melhorar as insuficiências dos EUA.

Em vez de começar do zero, vamos precisar de aproveitar os conhecimentos institucionais das autoridades de concorrência nacionais e incluir neste processo as pessoas com experiência na matéria. A Rede Europeia de Concorrência pode servir de modelo para uma rede ao nível do G20.

O objectivo de uma rede de concorrência mundial é construir um enquadramento legal para que as leis da concorrência sejam aplicadas às empresas que têm práticas empresariais transfronteiriças que evitam a concorrência. A rede pode coordenar investigações e aplicar decisões e desenvolver novas orientações sobre como monitorizar o poder de mercado e as práticas colusivas na economia digital.

No passado, o G20 esteve focado em assegurar que as multinacionais não eram capazes de tirar vantagens das diferenças jurídicas de forma a evitarem o pagamento de impostos. Mas o G20 precisa de ampliar o seu horizonte, reconhecendo que as tecnologias digitais estão a criar novos resultados que, se não forem validados por uma Rede Mundial de Concorrência, vão continuar a favorecer as empresas à custa dos trabalhadores.

* Professora de Economia Internacional na Universidade de Munique e investigadora sénior no think tank económico Breugel.

 IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
27/06/17


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