31/07/2017

ROSÁRIO GAMBOA

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Resistir

Resistir não é suportar; não é o não redondo de uma oposição sem conteúdo, nem a tristeza vazia e fatalista.

Resistir é uma prova de vida, de ação efetiva por uma transformação do presente.

Há gente que luta e morre na Venezuela. No dia 16 deste mês, 7,5 milhões de pessoas responderam ao apelo da Oposição democrática ao regime (mesa de Unidade Democrática) e numa votação fora do quadro legal instituído, desceram às ruas, enfrentando milícias populares violentas, dizendo não à convocatória para o dia 30 de uma Assembleia Constituinte que visa alterar a Constituição e reforçar o poder do ditador vigente. A Oposição convocou uma greve geral para anteontem e ontem, numa tentativa de "ofensiva final". Mas o ditador insano não cede; antes assegura que a par da Guarda Nacional vai colocar mais 230 soldados na rua.

Resiste-se na Venezuela, o país de maiores reservas petrolíferas do Mundo, que já foi a mais próspera economia da América Latina, agora transformado num caos económico e político, onde a fome, a inflação na ordem dos 800%, falta de salubridade e a violência alastram. Mas resiste-se. A consciência do valor da liberdade e democracia como condições de paz e bem-estar económico e social não são uma abstração teórica, mas uma ferida em carne viva.

Em 9 de julho, desaguou, em Istambul, a Marcha da Justiça. Durou 25 dias, durante os quais foram percorridos 425 Km. Quando a marcha se iniciou em Ancara, eram apenas algumas dezenas de pessoas; depois eram mil, depois milhares, e, no fim, um milhão. Sob sol intenso da praça de Maltepe, Kemal Kiliçdaroglu, líder da Oposição secularista, marchou sozinho, ladeado por um cordão humano, assumindo como único pregão: adalet (justiça). Durante o último ano, depois da simulada tentativa de um golpe falhado, 50 mil pessoas foram presas, 5 mil permanecem detidas (ente elas, a diretora da Amnistia Internacional na Turquia), 150 mil (entre jornalistas, professores, militares...) foram suspensos ou despedidos, o Estado confiscou bens pessoais no valor de milhões de euros e assumiu o controlo quase total da Comunicação Social.

Resiste-se na Turquia, na China, nos barcos da morte, no Sudão, nas paredes apertadas da xenofobia, na brutalidade da ignorância e da banalidade do mal, na solidão da dor cá dentro ou lá fora. E em cada gesto de resistência há o preservar de uma esperança e o terrível silêncio de quem não quer ver ou ouvir.

PRESIDENTE DO POLITÉCNICO DO PORTO

IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
28/07/17

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